16 de outubro de 2011

Cães-guia, preciosos companheiros

O voluntário Bachelet e Frontier: convívio também no escritório


Sesi treina 29 filhotes em um programa para diminuir a lista de pessoas cegas à espera de um ajudante de quatro patas


Todos os dias, o gerente de marketing Vincent Bachelet sai de casa acompanhado de Frontier, um labrador de 7 meses. Ao longo do trajeto, o animal, que é bastante brincalhão, comporta-se de forma diferente, permanecendo a maior parte do tempo quieto. A dupla entra no metrô, atravessa parte da Linha Verde e desce na estação Trianon-Masp, quase em frente ao local de trabalho de Bachelet, o prédio da Fiesp. Durante o expediente, o cachorro fica ao lado dele dentro do escritório até a hora da saída. “Daqui a alguns meses, quando tivermos de nos separar, vou sentir uma dor no coração”, diz o gerente, que é voluntário de um novo programa para a formação de cães-guias na capital. Quando Frontier completar 1 ano, estiver adaptado a se locomover na cidade e não estranhar lugares cheios, passará para uma segunda etapa de treinamento. Depois, será encaminhado a um dos cegos que aguardam na fila por esse tipo de ajuda. A espera pode ultrapassar quatro anos.

Com o objetivo de acelerar o processo, o Sesi-SP lançou recentemente um projeto para multiplicar a formação desses cães. O primeiro grupo do programa, constituído atualmente por 29 filhotes, entre eles o labrador Frontier, veio de um canil da vizinha Embu das Artes e está espalhado por várias famílias paulistanas que vão ajudar na etapa inicial. É a maior iniciativa do gênero já realizada por aqui. “Logo, passaremos para outras fases, que incluem a adaptação dos cegos aos cachorros”, conta um dos idealizadores do programa, Paulo Skaf, presidente da Fiesp. “Queremos preparar 32 novos animais a cada doze meses.” O trabalho de formação dura, em média, um ano e meio. Os contemplados com os cães não vão precisar desembolsar nada pelo inestimável auxílio.

A seleção dos filhotes começa no canil, sendo escolhidos apenas exemplares das raças labrador, golden retriever ou do cruzamento entre elas. Enquanto os pequenos estão em processo de desmama, são observados para a escolha dos mais calmos, tranquilos e saudáveis. Mesmo com tais cuidados, cerca de 20% deles não serão aproveitados. “Nem todo cão que é treinado poderá ajudar um cego”, afirma Thays Martinez, presidente do Instituto de Responsabilidade e Inclusão Social (Iris), que também atua na formação de animais.

No mercado, uma raça preparada por especialistas chega a custar 30.000 reais, pois a maior parte é importada dos Estados Unidos. Além do preço, outro inconveniente é que o deficiente precisa ter noções de inglês e viajar ao exterior para fazer a etapa final de treinamento com seu novo companheiro. “Foi bem complicado aprender a me entender com o Harley”, explica o advogado Marcelo Panico, de 41 anos, referindo-se ao seu labrador preto. Em novembro de 2007, os dois passaram juntos trinta dias no estado americano de Michigan, fazendo o trabalho de preparo. “Hoje, ele até atende a alguns chamados em português.”
No Brasil, várias entidades como o Iris mantêm parcerias com centros internacionais para importar os bichos. Mas é um esforço com alcance limitado. Estima-se que existam apenas 100 cães-guias no país, cerca de trinta deles em São Paulo. O objetivo do trabalho iniciado pelo Sesi é disseminar por aqui uma metodologia nacional de preparação, de modo que outros centros possam realizar atividades semelhantes e aumentar a oferta de cachorros. “Será fundamental para minimizar os problemas atuais”, afirma Thays.
O convívio com um animal preparado representa uma revolução na vida das pessoas cegas. Quando se locomovem com a ajuda de uma bengala, elas conseguem evitar obstáculos localizados a 1,5 metro à sua frente. Mas não podem se desviar de coisas acima do chão, como galhos de árvore ou orelhões. “Um cão vai me dar mais independência e segurança”, diz o analista de sistemas Gabriel Vicalvi, de 25 anos, que aguarda há três anos e oito meses uma oportunidade para ser presenteado com um companheiro. “Estou ansioso, mas preciso de muita paciência, pois a fila é grande”, lamenta.
Regras de etiqueta diante de um cão-guia
O que se pode e o que não se pode fazer perto do animal
- Não brinque com o cachorro nem lhe dê petiscos se ele estiver usando a guia. O cão não deve ser distraído enquanto trabalha
- Não é permitido barrar a entrada de um cão-guia ou de um filhote em treinamento em estabelecimento algum, nem mesmo em restaurantes ou supermercados. A lei garante que esse tipo de cachorro pode entrar e permanecer no local
- Ao caminhar ao lado de um deficiente visual com cão-guia, fique à direita. A esquerda é sempre o lado do cachorro

Cão-guia: do vestibular à aposentadoria

1. A seleção começa no próprio canil. São escolhidos apenas filhotes de labrador, golden retriever e do cruzamento das duas raças
2. Com 3 meses, o filhote é entregue a uma família voluntária. A fase de socialização dura nove meses e consiste na adaptação do cão a diferentes ambientes e tipos de pessoa
3. Ao chegar a 1 ano de idade, o cachorro é levado a uma escola especializada, onde um treinador vai se encarregar de sua formação. Essa etapa dura, em média, quatro meses
4. O cachorro é entregue a um cego. No período de três meses, a dupla será acompanhada por um instrutor. Ele se encarrega de orientar a pessoa e ensiná-la a compreender o significado dos movimentos do cão
5. Aos 7 anos, o bicho é aposentado. Pode permanecer com o deficiente visual como animal de estimação ou ser doado a outra família

Um comentário:

  1. Que bacana essa matéria... No Brasil ainda é muito raro o treinamentode cão-guia. Moro em UK e aqui, existem muitas instituições que fazem o trabalho de treinamento e doam os cães para as pessoas cegas. A autonomia que um cego ganha na companhia de um cão-guia é inanarrável... Estão por todos os lugares, lojas, e transportes vivendo com muito mais qualidade e liberdade. Agradeço por compartilhar!

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